"Penso onde não sou, logo sou onde não penso."

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O sentido faz falta?

 
A gente procura um sentido para a vida somente quando o cotidiano perde sua graça e seu encanto

É uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: "Eles não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de futuro".

Os filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.
Também existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de qualquer jeito; que sentido tem?".

Geralmente, ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos, parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter perdido o rumo "necessário" para viver.

Agora, eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido, não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar (para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.

Em regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do que ela mesma.
Nota clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto, esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia, cujo encanto ele perdeu.

Resumindo, quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido.

A cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente, está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).

Alguém dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez) do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu estaria chutando um cachorro morto.

Não concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.

O esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso, que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada -Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis (que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.

Ele conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à própria vida e à sua ausência de mistério".
 
CONTARDO CALLIGARIS - Folha de São Paulo 06/10/11.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Sincronicidade: Coincidência ou fenômeno?



Acredito que muitas pessoas já tenham ouvido esse termo 'sincronicidade', porém aos que não ouviram, certamente já tiveram momentos em que ficaram boquiabertos pensando nas 'coincidências da vida' e indiretamente chegaram a refletir sobre a sincronicidade sob um outro conceito: uma possível causalidade. Quem não passou pela situação de estar pensando em alguem e essa pessoa te ligar no exato momento, ou então de estar ligando para uma determinada pessoa e o telefone dela estar dando ocupado porém quando você finalmente desiste de ligar, incrivelmente seu telefone toca e você vê no detector de chamadas que é a tal pessoa te ligando? Eu passei incalculáveis vezes por isso seja com amigas, com o namorado ou com alguma pessoa que eu desejasse falar. Essa 'coincidência' mobilizou estudos tanto na Física Quântica quanto na Psicologia de Carl Gustav Jung - psiquiatra suiço e fundador da Psicologia Analítica, ou Psicologia Junguiana. Confesso que sei muito pouco sobre o assunto, mas o pouco que eu tenho lido e pesquisado me tocou profundamente a ponto de tudo fazer muito sentido pra mim. Então, vamos dar uma conferida no que diz a teoria da Sincronicidade de Jung. Espero que curtam!

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Ao estudar as coincidências, Jung chegou a conclusão de que elas não são tão casuais como parecem, e deu ao fenômeno o nome de sincronicidade. A principal característica da sincronicidade seria uma significativa relação entre uma vivência interior e um evento exterior: penso numa pessoa e ela telefona. Certa vez, uma paciente de Jung estava contando um sonho em que aparecia um escaravelho, justo naquele momento um escaravelho começou a esvoaçar contra a vidraça. E daí para a frente começou a pesquisar em profundidade o fenômeno da coincidência - ou sincronicidade. Para ele existe a sincronicidade cada vez que um fenômeno acontece dentro de uma pessoa e fora dela ao mesmo tempo e sem nenhuma ligação lógica aparente. Na sincronicidade portanto, o interior e o exterior como que se combinam para formar um acontecimento. Aliás, essa intrigante troca de energias entre o mundo subjetivo e o mundo objetivo é confirmada pela física moderna, melhor dizendo pelas descobertas da física quântica. Hoje, os físicos sabem da interferência do observador na observação do fenômeno com o qual está trabalhando, até então no modelo mais antigo de ciência, acreditava-se em uma observação totalmente objetiva sem nenhuma interferência do observador. Sabe-se hoje que o tomar consciência de algo seria assim , um poderoso ato criativo no qual a realidade objetiva e a subjetiva se combinam para formar um evento. Dentro dessa visão, não seria de todo infundada a crença popular no mau olhado capaz de secar flores e afetar o crescimento das plantas. O fato é que uma intensa energia parece existir entre nosso psiquismo e o mundo à nossa volta. Do ponto de vista fenomenológico, nenhum acontecimento pode ser isolado do contínuo de energia que abrange toda a realidade. Qualquer evento, em qualquer nível, em qualquer lugar, é influenciado e influencia o mais. O tempo inteiro você está vivendo energias ou dinamismo que de a1guma forma se exteriorizam e mobilizam outras. Estamos todos como que dentro do mesmo oceano energético e trocas de energia são intrínsecas à própria vida. A experiência clínica nos mostra, por exemplo, que quem se encontra num processo de autodestruição sempre acha uma maneira de exteriorizar isso. Batendo o carro, por exemplo, criando uma doença. O próprio desequilíbrio energético entre duas pessoas termina se manifestando. À luz da teoria da sincronicidade, fica sempre muito relativo falar em mera coincidência, puro acaso. Correto seria dizer que de alguma maneira produzimos energias tanto para nossas melhores coincidências como para nossas piores ações. E aquilo que chamamos de sorte ou azar está mais ligado ao nosso estado interior do que a um destino caprichoso sem rosto. A concepção Junguiana de sincronicidade é de que, mediante uma silenciosa e misteriosa troca de energias, nosso estado interior está ativamente ligado a objetos e acontecimentos à nossa volta. Mas é preciso entender bem o que Jung considera sincronicidade. Não se trata por exemplo, de relações de causa e efeito entre o mundo subjetivo e o objetivo.

Por Doucy Douek, que é Psicóloga clínica.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Férias.


        Última semana de aulas, à beira de um ataque de nervos você jura que a solução dos seus problemas é a chegada das férias e a plenitude de estar no ócio. Pois bem, você conclui seus trabalhos, apresenta os seminários, se dá bem nas provas e finalmente entra em férias! Ah, maravilha, perfeição! Acordar tarde, ter tempo disponível pra tudo inclusive tempo pra fazer nada. Oh God! Isso é tudo que eu pedi. Passa a primeira semana, passa a segunda e... beirando a terceira semana o tédio já te consumiu. Há um inerente desejo de voltar a possuir a sua vida de verdade, a encontrar os amigos nem que sejam de passagem pelo corredor da univerdade, na correria entre uma disciplina e outra. Dá até vontade de ter o que fazer e se sentir últil. Eu sei que inúmeros seres humanos discordariam do que escrevo, mas é assim que me sinto. Sempre funciona dessa forma até que finalmente inicia as aulas novamente e eu percebo que eu nunca precisara tanto de férias como nesse momento. É cíclico! E como o hino de Rolling Stones: I can't get no satisfaction!

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Porque somos como somos?

"O homem, distintamente de outras espécies, procura respostas a perguntas tais como a do título e faz indagações sobre suas origens e características. Boa parte do conhecimento produzido na área das ciências humanas e sociais diz respeito a indagações como essa, sobre o comportamento e a natureza humanos. Uma das disciplinas que fornece algumas das respostas mais inspiradoras é a psicologia evolucionista. Esta é uma disciplina recente, multidisciplinar, que nasceu de uma síntese entre a psicologia cognitiva e a teoria da evolução, e que utiliza conhecimentos de várias outras áreas, como a neurociência e a antropologia. A abordagem evolutiva parte do pressuposto que o homem, assim como todos os outros seres vivos, é o produto de um processo evolutivo. Isso significa que nossa natureza é determinada, além de nossa cultura, pela nossa biologia. Nossas características, não apenas anatômicas, mas também neurocognitivas e de comportamento, foram selecionadas em respostas a pressões evolutivas durante o processo de nossa evolução."

Esse trecho é desse artigo:  Porque somos como somos? A psicologia evolucionista e a natureza humana*, que responde muitas questões acerca do assunto de uma forma mais ampla e conceitual. Me surpreendi ao colocar no google "porque somos como somos" e encontrar um artigo científico falando a respeito da minha busca. É, e beirando os meus 25 anos tem me surgido uma imensa angústia quando penso nessa caminhada, do que somos feitos e como nos constituímos e minhas aulas de sociologia e filosofia contribuíram significativamente para que eu levantasse essa questão. De antemão, eu não pretendo encontrar a reposta certa que justifique o porque de sermos como somos, aliás, longe de mim, até pq falta muito conteúdo no constructo de tal argumento. A proposta desse post é apenas de pensar sobre! Bem, levando em consideração a nossa subjetividade e a importância da Psicologia que se propôs a estudar isso, conseguimos elaborar hoje uma significativa interpretação sobre a, até então, obscura questão, porque trabalhar com o subjetivo é sem dúvidas considerar o tempo que isso acarreta e a dificuldade em 'tocar o intocável', portanto, não é algo simples. Por mais que se saiba a respeito das maneiras  de manifestação no corpo, no comportamento, nos sonhos e etc... somos muito complexos e não restam dúvidas dessa premissa. Facilmente nos deparamos com situações semelhantes em pessoas diferentes e assim mesmo, é comum encontrarmos reações parecidas de ambas frente a esta mesma situação -óbvio não desconsiderando que isso não se 'aplica' a todos - até porque estamos tratando de subjetividade. Pois é, estudando um pouco sobre a área comportamental da psicologia nos damos conta de que somos previsíveis em algumas situações e aí me remete a pensar que os nossos comportamentos diversos já foram medidos e estudados e que estamos dentro de um parâmetro de reações. Ou seja, por mais diferentes que sejamos, ainda assim somos previsíveis. Desde aquele que desmaia frente a uma situação aversiva como aquele que reage com gargalhadas. Sempre há um parâmetro, sempre há uma explicação. É difícil e ao mesmo tempo aliviante pensar que 'tudo é explicável'. Quando não encontramos uma resposta de 'normalidade' a algo que sentimos ou pensamos, logo bate uma preocupação: "ai meu Deus, isso é normal?". Mas voltando a questão científica, sempre há uma suposição do que levaria a sermos e a reagirmos de determinada maneira. Remotamente algo é inédito ou inexplicável. A ciência* parece estar sempre com uma explicação pronta sobre nossos comportamentos. Então somos uma sociedade previsível mesmo???


* isso não é, fundamentalmente, uma crítica à ciência.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

domingo, 8 de maio de 2011

Eu preciso.

"Eu preciso muito de você. Eu quero muito, muito você, aqui de vez em quando nem que seja muito de vez em quando, você nem precisa trazer maçãs, nem perguntar se estou melhor. Você não precisa trazer nada, só você mesmo. Você nem precisa dizer alguma coisa no telefone basta ligar e eu fico ouvindo o seu silêncio. Juro como não peço mais que o seu silêncio do outro lado da linha ou do outro lado da porta ou do outro lado do muro. Mas eu preciso muito muito de você."
(C.F.A)

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Água da minha sede.


"...Agora que começou
Não sei mais como termina
Água da minha sede
Bebo na sua fonte
Sou peixe na sua rede..."

domingo, 10 de abril de 2011

Tabacaria.

    "Falhei em tudo.
    Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
    A aprendizagem que me deram,
    Desci dela pela janela das traseiras da casa.
    Fui até ao campo com grandes propósitos.
    Mas lá encontrei só ervas e árvores,
    E quando havia gente era igual à outra.
    Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
    Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
    Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
    E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
    Gênio? Neste momento
    Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
    E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
    Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
    Não, não creio em mim.
    Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
    Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
    Não, nem em mim... (...)"

    (Alvaro de Campos)

    quarta-feira, 6 de abril de 2011

    In love ♥

    "I need to, I need to, I need to
    I need to make you see
    Oh what you mean to me
    Until I do I'm hoping you will know what I mean
    I love you
    I want you, I want you, I want you
    I think you know by now
    I'll get to you somehow
    Until I do I'm telling you so you'll understand"

    ♪ Michelle - The Beatles





    segunda-feira, 28 de março de 2011

    Registros necessários


    Começaram minhas provas e trabalhos aí pouco tenho parado pra escrever coisas minhas por aqui, mas continuo escrevendo. Há uns 2 meses comprei um caderninho pra fazer algumas anotações afim de me nortear nas minhas sessões de terapia, pois, às vezes, ou melhor, quase sempre a demanda é tão grande que eu sempre saio da análise consciente de que esqueci de falar muita coisa importante, por isso o caderninho me acompanha por aí. Acabo sempre anotando palavras-chave (?) sobre o que acaba acontecendo comigo ou insights que eu tenho durante a semana e tem me ajudado muito, pois a minha memória de curto prazo não anda bem não! rs Pois é. Então foi depois disso eu me dei conta que voltei a escrever de vez, que novamente virou uma necessidade só que - ultimamente - de maneira mais convencional de escrita: lápis e papel. Fiz umas reflexões sobre isso... pois me senti mais íntima com meu caderninho do que aqui no blog, flui mais os sentimentos de tal forma que às vezes a escrita não acompanha a velocidade do meu pensamento. Percebi  o 'distanciamento' que uma escrita minha tem no blog em relação a minha escrita no caderninho.  Acho que junto com a tecnologia perdemos o hábito de coisas simples e gostosas de se fazer, e isso é uma pena. Aqui no blog eu me permito escrever de uma forma mais clara porque, teoricamente, outras pessoas irão ler, portanto, é bacana que se quem leia possa entender! No entanto, é notório que há uma influência direta no conteúdo, há uma certa censura de até onde fica o limite de tornar público coisas minhas, por mais que ninguém venha a ler o registro irá permanecer... percebo também que aqui tudo é mais bonitinho, formatado, justificado, ilustrado. Óbvio, aqui a estética conta muito, a organização de idéias, o sentido do texto... Talvez se você tenha lido até aqui, tudo tenha soado como crítica. Talvez até seja, mas não estou abandonando o blog não. Achei apenas relevante o discernimento e a reflexão disso, porque vai ficar mais fácil ter essas duas válvulas de escape pra canalizar tanta coisa. Em contrapartida, fica o meu simples caderninho, de capa dura e arame rosinha onde tudo está  totalmente proporcional as minhas emoções,  sem limites com toda intensidade do momento, onde permite rastros de cheiro, de toque, de rabiscos, de borrões, de pingos de lágrimas, etc. Acho que ao longo dos anos nos disvinculamos de coisas tão simples e tão mais reais, pelo menos na minha opinião, por isso a sensação de superficialidade que sinto muitas vezes na internet. Mas vejo que escrever aqui tem uma importante função, a de me sentir 'ouvida', a de ter voz e de, ao mesmo tempo, ter essa 'escuta' de mim mesma, de ler e reler o que registrei aqui porque sei que - possivelmente  - alguém lerá. É uma questão de equilíbrio, de não se deixar perder, de não se perder.
    Boa semana, beijos
    Champagne Supernova - Oasis.

    segunda-feira, 21 de março de 2011

    Uma dose de 'loucura'.

    "- Gatinho de Cheshire (...) Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?
    - Isso depende muito de para onde quer ir - responder o Gato.
    - Para mim, acho que tanto faz... - disse a menina.
    - Nesse caso, qualquer caminho serve - afirmou o Gato.
    - ... contanto que eu chegue a algum lugar - completou Alice, para se explicar melhor.
    - Ah, mas com certeza você vai chegar, desde que caminhe bastante.
    - Mas eu não quero me meter com gente louca - ressaltou Alice.
    - Mas isso é impossível - disse o Gato. - Porque todo mundo é meio louco por aqui. Eu sou. Você também é.
    - Como pode saber se sou louca ou não? - disse a menina.
    - Mas só pode ser - explicou o Gato. - Ou não teria vindo parar aqui.
    Alice achou que isso não provava nada. No entento, continuou:
    - E como você sabe que é louco?
    - Para começo de conversa - disse o Gato - um cachorro não é louco. Concorda?
    - É, acho que sim - disse Alice.
    - Pois bem... - continuou o Gato. - Você sabe que um cachorro rosna quando está bravo e abana o rabo quando está feliz. Mas eu faço o contrário: eu rosno quando estou feliz e abano o rabo quando estou bravo. Portanto, eu sou louco.

    (Trecho de Alice no País das Maravilhas) 

    quarta-feira, 16 de março de 2011

    Doce antítese.

    "Sinto que espontâneamente tudo ao meu redor se modifica num leve soprar de movimento. Talvez se eu pudesse acrescentaria açúcar e adoçaria esse sopro amargo. Sim, amargo! 
    De repente, me movimento e lá se vem flores e sabores e... ôpa, o que eu tava dizendo mesmo? Sim, sem o amargo o doce não pode ser tão doce!
    Eis que surgem-me fantasmas e eis que eu os recebo de porta aberta - sim, eu aprendi a abrir a porta para eles- e quando menos espero: cadê-os? É assim que funciona, ou você permite a entrada ou eles nunca vão embora. 
    Insegurança. Ah, a insegurança... Maldita insegurança! Sabe o que eu acho? eu acho é pouco! Não me peça pra justificar isso, pois eu não suportaria dizer-te. Portanto, permaneça inerte. 
    Pensando bem as mudanças não são indesejáveis, elas são queridas, muito mais do que ficar a mercê da monotonia. Mas ainda sim, elas são sérias, enigmáticas. 
    O conhecido sabor da monotonia é algo que paralisa - 'Por favor uma xícara de café e duas torradas!' - O que me paralisa, me é confortável. Confortável até certo ponto, pois até o conforto me assemelha ao tédio. 
    Vejo que meio a tudo que me cerca sempre sobra um pouco de poesia na tentativa fracassada, na atitude não concretizada, no sonho invisível, no caos vigorando."

    domingo, 13 de março de 2011

    Dia treze ♥


    Sabia, gosto de você chegar assim. 
    arrancando páginas dentro de mim.
    Desde o primeiro dia.
    sabia, me apagando filmes geniais. 
    Rebobinando o século. 
    meus velhos carnavais. minha melancolia.
    Sabia que você ia trazer seus instrumentos.

    Invadir minha cabeça.
    onde um dia tocava uma orquestra...   
    Sabia que ia acontecer você, um dia.
    E claro que já não me valeria nada tudo o que eu sabia.


    [1 ano e 6 meses ]

    quinta-feira, 10 de março de 2011

    Uma dose de nostalgia.

    Hoje - no auge da minha gripe - resolvi procurar  um livro na minha mini biblioteca desorganizada - carinhosamente batizada de AliceBL - e então eis que surge um enorme espirro em meio a tanta poeira, após me recompor da sessão de espirros visualizo mais ao fundo da prateleira o meu antigo livro de cabeceira - Água Viva, de Clarice Lispector - que no ápice da minha adolescência exerceu a função, quase que diariamente, semelhante aqueles livros de auto-ajuda em que se abre aleatoriamente alguma página e lê-se um trecho - que subentende-se que seja uma palavra amiga lhe aconselhando a melhor forma de prosseguir o dia/vida. Em seguida peguei o livro coberto de poeira e dei uma passeada pelas folhas GRIFADAS quase que me sentindo numa viagem ao tempo, relendo as coisas que fizeram muito sentido num determinado momento da minha vida, e incrivelmente, pude perceber que há muito  ainda de mim sobre aquelas linhas grifadas. Foi então que resolvi publicar aqui um trecho que também foi aleatoriamente aberto. Espero que curtam e que se deliciem com sua maneira particular de interpretação, pois não me arrisco a fazê-la :)
    "Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago. Só que aquilo que capto em mim tem, quando está sendo agora transposto em escrita, o desespero das palavras ocuparem mais instantes que um relance de olhar. Mais que um instante, quero seu fluxo.Nova era, esta minha, e ela me anuncia para já. Tenho coragem? Por enquanto estou tendo: porque venho do sofrido longe, venho do inferno de amor mas agora estou livre de ti. Venho do longe - de uma pesada ancestralidade. Eu que venho da dor de viver. E não a quero mais.
    Quero a vibração do alegre. Quero a isenção de Mozart. Mas quero também a inconseqüência. Liberdade? é o meu último refúgio, forcei-me à liberdade e agüento-a não como um dom mas com heroísmo: sou heroicamente livre. E quero o fluxo.
    Não é confortável o que te escrevo. Não faço confidências. Antes me metalizo. E não te sou e me sou confortável; minha palavra estala no espaço do dia. O que saberás de mim é a sombra da flecha que se fincou no alvo. Só pegarei inutilmente uma sombra que não ocupa lugar no espaço, e o que apenas importa é o dardo.
    Construo algo isento de mim e de ti - eis a minha liberdade que leva à morte. Neste instante-já estou envolvida por um vagueante desejo difuso de maravilhamento e milhares de reflexos do sol na água que corre da bica na relva de um jardim todo maduro de perfumes, jardim e sombras que invento já e agora e que são o meio concreto de falar neste meu instante de vida. Meu estado é o de jardim com água correndo. Descrevendo-o tento misturar palavras para que o tempo se faça. O que te digo deve ser lido rapidamente como quando se olha."

    sábado, 26 de fevereiro de 2011

    Em defesa do meu direito de ser triste.


            "Sou muito agradecido à mãe natureza por ter me dado minha tristeza. É ela que me poupa de, alegremente, comemorar a perda de um amigo ou a perda dos dedos da mão. Ou ficar indiferente a isso. Bendita tristeza que não me permite ser absurdo em relação a tudo que me acontece vindo de externo a mim. Sou também grato a ela por me permitir ter um estado de espírito adequado à perda de ilusões. É muito aliviante poder estar triste quando constato não possuir, realisticamente, as virtudes que, ilusoriamente, eu me atribuía. Um fardo inútil que se deixa de carregar.  E também, menor flagelação quando não correspondo às virtudes que não tenho. (…) Estou defendendo que a tristeza, apesar de dolorosa, é uma capacidade humana necessária, boa. E não, como habitualmente se acredita que, por ser dolorosa, é ruim. Ela é, mesmo, uma das mais infinitas variações da realidade externa ou à relação de cada um consigo mesmo. Numa palavra, permite adaptação."

    (Trecho do artigo "Em defesa do meu direito de ser triste" do psiquiatra Oswaldo D. Di Loreto)

    Eu acho super curiosa a maneira como as pessoas lidam com a tristeza na cultura contemporânea do imediatismo - e, talvez, em alguns momentos eu não me excluo dessa massa. Se formos pensar na proporção que as coisas acontecem, talvez afirmar que as pessoas não possuem tempo para estarem tristes - tendo em vista a velocidade em que as coisas são exigidas e acontecem - parar significa muitas vezes perder tempo. Ok. Depois que comecei a ler mais sobre angústia, depressão e melancolia foi possível ver com maior clareza o reflexo disso na sociedade, na eclosão de transtornos mentais em função dessa cultura desumana. Lembrei de um material - se não me engano era um artigo - super interessante que eu li semestre passado: "Indivíduo doente, Sociedade sadia". É frustrante ver uma sociedade que exige muito e não te oferece suporte . Sobretudo, fica um enorme vazio e a sensação de que a sociedade não aceita e não disponibiliza lugar para indivíduos tristes. Por exemplo, um cidadão que deixa de produzir com eficiência no seu emprego em função de algum atrito familiar ou  até mesmo pelo fato de estar se divorciando, esse sujeito não é bem visto pelos demais, as pessoas o enxergam como um fracassado, desequilibrado... Acho lamentável, pois isso contribui significativamente para que essas pessoas, de alguma forma, passem a não externalizar o que sentem e a inibirem seus sentimentos, podendo desencadear futuramente algum tipo de trantorno. Mas voltando ao artigo de Oswaldo D. Di Loreto, resolvi publicá-lo aqui para que possamos refletir sobre a temática, e não se trata de uma apologia à tristeza e sim de apontar uma outra ótica sobre a importância das nossas manifestações psíquicas, no quanto é importante essa sinalização do "estar triste", do quanto por trás dessa tristeza traz consigo questões afetivas nossas relevantes. E acima de tudo, trazer a reflexão de que nós devemos respeitar mais os nossos sentimentos e o dos outros indivíduos.

    quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

    Clarissa.

    "Amaro fica olhando para fora, através das janelas por onde a luz do meio-dia escorre. O seu corpo está aqui na sala de refeições da pensão de D. Eufrasina Couto. Mas o pensamento voou para longe. Uma vez há muitos, muitos anos, um menino olhou a vida com olhos interrogadores. Tudo era mistério em torno dele. Era numa casa grande. O arvoredo que a cercava amanhecia sempre cheio de cantos de pássaros. O mundo não terminava ali no fim daquela rua quieta, que tinha um cego que tocava concertina, um cachorro sem dono que se refestelava ao sol, um português que pelas tardinhas se sentava à frente de sua casa e desejava boa tarde a toda a gente. Não. O mundo ia além. Além do horizonte havia mais terras, e campos, e montanhas, e cidades, e rios e mares sem fim. Dava na gente vontade de correr mundo, andar nos trens que atravessavam as terras, nos vapores que cortam os mares. Andar... Nos olhos do menino havia uma saudade impossível, a saudade de uma terra nunca vista. Um dia- quem sabe?- um dia um vento bom ou mau passa e leva a gente. Um dia... 
    -Amaro, meu filho, que é que você quer ser? 
    -Marinheiro. Pra viajar. Ou maquinista pra viajar também. 
    Mamãe sorria e continuava a bordar. Tinha uns olhos bons e um jeito todo especial de olhar para os outros. Papai falava grosso. Tinha bigodões retorcidos e uma enorme medalha de ouro presa à corrente do relógio. -Meu filho, um homem precisa fazer força para triunfar. Só os fracos é que se abatem diante da vida. 
    Papai dizia isto sempre, com a testa franzida, sacudindo a mão fechada no ar; e a medalha grande dançava contra o colete escuro. 
    Lutar... Amaro sentia arrepios. Lutar. Luta era sangue. Lutar era ferir e ser ferido. Homens que vencem e são vencidos. Mas que é o triunfo, que significa vencer? Não seria melhor ficar sempre e sempre ali, junto da mãe, na cidade natal, na rua humilde onde havia um cego que tocava concertina, um cachorro sem dono que se refestelava ao sol e um vendeiro português que pelas tardinhas... 
    -Posso trazer o almoço, seu Amaro? 
    Na sua frente, Belmira sorri com dentes alvíssimos. Amaro sacode a cabeça afirmativamente. 
    -Pode. 
    Enfim... Eram recordações boas. Tudo aquilo tinha ficado muito longe no passado. Verdade é que a gente nunca esquece a infância. Pieguices? Mas, que é que a vida pode nos oferecer de melhor, de mais puro?..."

       

    terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

    Aquilo que ainda vai ser depois – é agora.

    Agora é o domínio de agora.
    E enquanto dura a improvisação eu nasço.
     E eis que depois de uma tarde de “quem sou eu”
    e de acordar à uma hora da madrugada
    ainda em desespero
    - eis que às três horas da madrugada acordei
    e encontrei-me.
    Fui ao encontro de mim.
    Calma, alegre, plenitude sem fulminação.
     Simplesmente eu sou eu.
    E você é você.
    É vasto, vai durar.
    O que te escrevo é um ”isto”.
    Não vai parar: continua.
    Olha para mim e me ama.
    Não: tu olhas para ti e te amas.
    É o que está certo.
    O que te escrevo continua
    e estou enfeitiçada.”

    sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

    Através das Janelas.


    Como pretendo recomeçar o blog, pensei em compartilhar algo bem simples   sobre um dos detalhes que contribuíram na construção do blog.
    Lembro de forma carinhosa como o nome do endereço do blog surgiu (e isso trata-se de aproximadamente 3 anos atrás). Obviamente o momento da minha vida era outro, bem mais complexo e embaraçado (o que não vem ao caso) e o nome surgiu, quase que, num "insigth": "Através das Janelas", o que caiu muito bem a um momento de configuração mais introspectiva e observadora. Através das janelas buscamos saber quem somos, o que nos move, o que nos paralisa, o que nos constitui. Hoje, a idéia é de compartilhar e dar significado aos meus pensamentos e sentimentos, dando vazão a enxurrada de energia e idéias que nos é inerente. Essa vai continuar sendo a função dos meus escritos nada poéticos, a de procurar harmonizar a minha desarmonia. E é com essa proposta que o blog está de volta: tentar chegar, pelo menos, a um norte pra direcionar isso!!!

    quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

    Fênix.

    Oi gente, o blog tá renascendo das cinzas! Depois de dar uma conferida em alguns blogs superinteressantes resolvi reativar o meu que há muito tempo tá abandonado. Esse primeiro post é pra anunciar o retorno, depois vou pensar direitinho em algo legal pra escrever aqui. Dei uma conferida nos meus posts mais antigos, aliás, beeem antigos e resolvi permanecer com o mesmo endereço, muita coisa em mim mudou desde a primeira tentativa de emplacar com esse blog, entretanto a essência continua a mesma e foi por esse motivo que resolvi não criar outro e permanecer com esse. Aqui continuará sendo uma forma de explicitar ora alguma opinião, ora compartilhar o que eu tô lendo, alguma poesia  ou algumas matérias, sites ou qualquer outra novidade que venha a surgir, nada de rótulos, por favor! Besos ;*