A gente procura um sentido para a vida somente quando o cotidiano perde sua graça e seu encanto
É
uma queixa frequente: o mundo e a vida fazem pouco sentido -muito menos
sentido do que antigamente, completam os saudosistas. Nas famílias, às
vezes, essa queixa produz uma espécie de pingue-pongue. Os pais acham
que os filhos adolescentes vivem por inércia, sem rumo e projeto: "Eles
não estão a fim de nada que preste, não têm uma causa, uma visão de
futuro".
Os
filhos, confrontados com essa preocupação dos pais, declaram que, se
precisassem mesmo de um sentido para viver, certamente não é com os pais
que eles o aprenderiam: "Mas qual sentido gostariam que eu escolhesse
para minha vida, se a vida deles não tem nenhum?". Nesse diálogo, o
sentido parece ser sempre o que falta na vida dos outros que criticamos.
Também
existem indivíduos (adolescentes e adultos) que se queixam da falta de
sentido em sua própria vida: "Viver para quê? Todo o mundo vai morrer de
qualquer jeito; que sentido tem?".
Geralmente,
ao procurar responder a essas constatações desconsoladas, amigos,
parentes e terapeutas agem como os pais que mencionei antes: querem
injetar uma causa, uma visão de futuro na vida de quem lhes parece ter
perdido o rumo "necessário" para viver.
Agora,
eu não estou convencido de que, para viver, seja necessário que a vida
tenha um sentido. Quando alguém se queixa de que sua vida é sem sentido,
não tento interessá-lo em grandes razões para viver. Prefiro perguntar
(para ele e para mim mesmo) de onde surge tamanha necessidade de um
sentido. É curioso que, para alguns, a existência precise de uma
justificação, de uma razão, de uma causa, de uma visão de futuro.
Em
regra, essa necessidade de justificar a vida se impõe quando a própria
vida não se basta mais. Ou seja, é quando os gestos cotidianos perdem
sua graça que surge a obrigação de fundamentar a vida por outra coisa do
que ela mesma.
Nota
clínica: a depressão não é o mal de quem teria perdido (ou nunca
achado) uma grande razão para viver. Depressão é ter perdido (ou nunca
encontrado) o encanto do cotidiano. Por consequência, tentar "curar" a
depressão de um adolescente propondo-lhe militância política ou fé
religiosa é nocivo: se a gente conseguir capturá-lo num grande projeto,
esse mesmo projeto o afastará ainda mais da trivialidade do dia a dia,
cujo encanto ele perdeu.
Resumindo,
quando alguém se queixa de que a vida não tem sentido, o problema não é
ajudá-lo a encontrar o tal sentido da vida, mas ajudá-lo a descobrir
que a vida se justifica por si só, que ela pode ser seu próprio sentido.
A
cultura moderna poderia ser dividida em dois grandes blocos (que não
coincidem com as tradicionais divisões de esquerda vs. direita etc.): os
que pensam que o sentido da vida não está na própria experiência de
viver (mas na espera de um além, num projeto histórico etc.), e os que
pensam que a experiência de viver, por mais transitória que seja, é todo
o sentido do qual precisamos (nota: a psicanálise, inesperadamente,
está nesse segundo grupo, por constatar que a gente sofre mais frequente
e gravemente pelo excesso do que pela falta de um sentido).
Alguém
dirá que, com o declínio das utopias políticas e algum avanço (talvez)
do pensamento laico, o sentido da vida está em baixa. Em suma, eu
estaria chutando um cachorro morto.
Não
concordo: talvez a própria crise das utopias e de algumas religiões
instituídas esteja reavivando uma espiritualidade que tenta sacralizar o
mundo, prometendo, no mínimo, sentidos ocultos.
O
esoterismo "new age" nos garante que a vida tem um sentido misterioso,
que a gente nem precisa saber qual é. Melhor assim, não é? Acabo de ler
um breve (e delicioso) ensaio do filósofo italiano Giorgio Agamben, "La
Ragazza Indicibile" (a moça indizível, Electa, 2010). Agambem (retomando
um ensaio de Jung e Kerényi, de 1941, sobre Koré, a moça sagrada
-Perséfone na mitologia clássica) mostra que os mistérios de Eleusis
(que são os grandes ascendentes do esoterismo ocidental) de fato não
revelavam nenhum grande sentido escondido das coisas e da vida -a não
ser talvez o sentido de uma risada diante do pouco sentido do mundo.
Ele
conclui com a ideia de que podemos e talvez devamos "viver a vida como
uma iniciação. Mas uma iniciação ao quê? Não a uma doutrina, mas à
própria vida e à sua ausência de mistério".
CONTARDO CALLIGARIS - Folha de São Paulo 06/10/11.
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